Por Tássita de Assis Moreira

A 66ª edição do Prêmio Jabuti traz uma notícia que enche de orgulho quem acompanha a valorização da literatura indígena no Brasil: livros com autoria indígena figuram entre os semifinalistas em diversas categorias. Esse reconhecimento representa mais do que uma celebração literária — é uma conquista histórica e um passo significativo no processo de amplificação das vozes indígenas no cenário cultural brasileiro.

O Prêmio Jabuti: História e Significado

Criado em 1958 pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o Prêmio Jabuti é a premiação literária mais tradicional e abrangente do Brasil. Desde o início, o Jabuti busca celebrar a diversidade da produção literária nacional, abrangendo desde literatura adulta e infantil até categorias como ciências humanas, educação e inovação. E, afinal de contas, por que o nome “Jabuti”? Inspirado pelo animal que simboliza a persistência e a sabedoria, o nome do prêmio também faz alusão à lenda indígena do jabuti, conhecido por sua astúcia e resiliência — características que remetem à rica tradição oral dos povos originários do Brasil.

A Importância do Reconhecimento das Vozes Indígenas

O aparecimento das obras indígenas no histórico do Prêmio Jabuti é um marco que mostra como o país está aprendendo a valorizar perspectivas que foram – e ainda são em alguns contextos – por muito tempo marginalizadas. Essa inclusão representa a quebra de um ciclo de silenciamento e um compromisso com a descolonização dos espaços culturais. Quando vozes indígenas são celebradas por prêmios de destaque, como o Prêmio Jabuti, essa valorização se torna um movimento poderoso, que ecoa e inspira não apenas as novas gerações de autores indígenas, mas também o público que começa a enxergar a literatura indígena como essencial para a compreensão de suas próprias identidades, enquanto brasileiros e brasileiras.

Autores Indígenas e o Prêmio Jabuti ao Longo do Tempo

Embora o prêmio exista há mais de seis décadas, a presença de autores indígenas em edições anteriores ainda é tímida, reflexo do cenário de exclusão literária e acadêmica. Uma das primeiras obras indígenas a receber destaque como “menção honrosa” foi Coisas de Índio Versão Infantil”, de Daniel Mundukuru, publicado pela Callis Editora em 2004, na categoria de livros Didático e Paradidático de Ensino Fundamental e Médio. Outro livro que merece destaque é “Una Isi Kayawa – o Livro da Cura”, com autoria de Mateus Ika Muru, Agostinho Ika Muru, Alexandre Quinet, publicado pela editora Dantes, em 2015, ficando em terceiro lugar no eixo Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática. Além desses, livros como “A Boca da Noite”, de Cristino Wapichana, e “Vozes Ancestrais”, de Daniel Munduruku, estiveram no pódio das categorias Infantil e Juvenil (respectivamente) no ano de 2017. Todavia, a premiação de primeiro lugar para autoria indígena veio somente ano passado (2023), com o título “Álbum Guerreiras da Ancestralidade do Mulherio das Letras Indígenas” organizado por Eva Potiguara, na categoria de Fomento à Leitura. Essas obras e esses autores marcam uma trajetória de resistência e resiliência, dentro da história do Prêmio Jabuti.

Participação Indígena na 66ª edição do prêmio em 2024

O nome do prêmio é uma homenagem à tartaruga jabuti, que aparece nas histórias indígenas e é conhecida por ser símbolo de sabedoria e longevidade. Agora vamos conhecer a lista:

🔸Eixo Literatura – Categoria Infantil:

Título: Cadê Cadê  | Autor(a): Ara Poty, Paula Taitelbaum, Xadalu Tupã Jekupé | Editora(s): Piu

Categoria Juvenil:

Título: Apytama: floresta de histórias  | Autor(a): Kaká Werá (Organizador) | Editora(s): Santillana Educação

Título: Cada remada, uma história  | Autor(a): Cristino Wapichana, Daniel Munduruku, Roni Wasiry, Tiago Hakiy  | Editora(s): Melhoramentos

🔸Eixo Não-ficção – Categoria Artes:

Título: MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin): Mirações  | Autor(a): Adriano Pedrosa, Guilherme Giufrida  (Organizadores) | Editora(s): MASP

Título: Xingu: contatos  | Autor(a): Guilherme Freitas, Takumã Kuikuro  | Editora(s): IMS

🔸Eixo Produção Editorial

Título: Ardis da Arte: imagem, agência e ritual na Amazônia | Capista: Carla Fernanda Fontana, Denilson Baniwa  | Editora(s): Edusp

Título: MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin): Mirações  | Capista: Gabriela Marques de Castro, Gustavo Marchetti, Paulo André Rodilhano Chagas  | Editora(s): MASP

🔸Eixo Inovação – Livro Brasileiro Publicado no Exterior:

Título: A vida não é útil | Editora(s): Companhia das Letras, Polity

A cada edição, autores, editoras e profissionais do livro são reconhecidos em várias categorias, destacando a riqueza e a diversidade da nossa cultura. Ao longo da semana vamos apresentar mais detalhes sobre os semifinalistas na nossa página do Instagram, mas já conta aqui pra gente, já leu alguma das obras indicadas?

O Crescimento da Literatura Indígena no Brasil

Nos últimos anos, o número de publicações e autores indígenas tem aumentado significativamente, refletindo uma busca coletiva por vozes e narrativas que expressem a experiência de ser indígena no Brasil contemporâneo. A presença de livros indígenas entre os semifinalistas do Prêmio Jabuti 2024 reforça a urgência de disseminar essas narrativas, principalmente em tempos em que o país enfrenta desafios quanto ao reconhecimento dos direitos dos povos originários e à proteção de suas terras.

Para os leitores e consumidores de literatura indígena, uma conquista como essa é um convite para conhecer mais dessas histórias e mergulhar na riqueza cultural dos povos indígenas. Ao apoiar e prestigiar esses autores, estamos contribuindo para um Brasil que reconhece e valoriza suas raízes mais profundas.

A Transformação que o Prêmio Jabuti Inspira

A 66ª edição do Prêmio Jabuti reflete, portanto, um cenário em mudança: um cenário que abre espaço à sabedoria e ao conhecimento ancestrais, permitindo que o Brasil, em toda sua diversidade, seja representado e respeitado. Celebrar essa conquista é mais do que aplaudir o talento dos autores indígenas; é reconhecer que o Brasil é múltiplo, que a literatura é resistência, e que a inclusão dessas vozes é essencial para construir um futuro mais justo e plural.

Para quem acompanha a Livraria Maracá e tem interesse na literatura indígena, o Prêmio Jabuti é uma das etapas importantes para a valorização dos trabalhos de curadoria literária. É uma reafirmação de que essas histórias, que carregam a memória e a luta dos povos originários, são parte fundamental da nossa identidade e têm o poder de transformar o presente e o futuro do nosso país. A próxima divulgação acontece no dia 5 de novembro, na qual vamos conhecer cinco finalistas de cada categoria, já os vencedores das 22 categorias e o Livro do Ano serão divulgados no dia 19 de novembro, em um evento especial.

Tássita de Assis Moreira é historiadora e professora, mestra em Educação na Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). Desenvolve estudos sobre educação decolonial, ensino da temática indígena e atua como produtora de conteúdo digital no @profatassi.