Por Tássita de Assis Moreira
O folclore brasileiro, tal como é ensinado e celebrado, muitas vezes se afasta das realidades e tradições autênticas dos povos originários. Personagens como o Saci, o Curupira e a Iara, embora populares e queridos, são criações que muitas vezes distorcem ou simplificam as narrativas indígenas, transformando-as em algo que se alinha mais com as expectativas do colonizador e suas fantasias, do que com as culturas originárias. Repensar o folclore brasileiro, substituindo-o por narrativas indígenas, é um ato de resistência histórica e cultural, que permite resgatar e valorizar as verdadeiras raízes culturais do nosso país. Em um de seus livros publicados (são mais de 60 livros), o escritor indígena Daniel Munduruku destaca que
“os povos indígenas contam histórias não só para se divertir, mas também para ensinar. Nos contos estão presentes os sentidos da nossa existência. Quem souber ouvi-las assim, compreenderá a essência da vida”
Quando optamos por destacar narrativas indígenas em vez de lendas e personagens folclóricos, abrimos espaço para uma compreensão mais profunda da diversidade cultural brasileira. Cada povo indígena tem suas próprias histórias, mitos, e cosmologias, que revelam formas únicas de ver e entender o mundo. São essas narrativas que carregam significados profundos e vão além do entretenimento, conectando-se diretamente com a identidade, a espiritualidade e o modo de vida desses povos.
Durante séculos, as culturas de pessoas e povos indígenas foram sistematicamente apagadas ou marginalizadas pelo processo colonial e, posteriormente, pelo projeto de construção de uma identidade nacional unificada, que muitas vezes ignorou a pluralidade do país. Atualmente, são mais de cem escritores e escritoras indígenas espalhados pelo país, escrevendo e contando as histórias de seus povos. Ao colocar as narrativas indígenas em destaque, rompemos com essa tradição de apagamento e afirmamos a importância de ouvir e respeitar as vozes dos povos originários. Este é um passo crucial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, além de pensar melhor sobre a preservação da natureza e do meio em que vivemos.
Agora, como substituir algo que está tão enraizada na chamada “cultura brasileira” e que começa a ser passado de geração em geração desde a infância nas sociedades não indígenas?
Uma das soluções que nós encontramos é substituir o folclore por narrativas indígenas através dos livros escritos por autores e autoras indígenas, o que também configura um ato de resistência educacional. No ambiente escolar, onde muitas vezes o folclore é apresentado de maneira superficial e descontextualizada, a introdução dessas histórias indígenas através da literatura indígena e nativa oferece uma oportunidade de promover um ensino mais crítico e reflexivo. Estudantes podem aprender sobre a diversidade étnica e cultural do Brasil, ao mesmo tempo em que desenvolvem uma compreensão mais profunda sobre as lutas e resistências dos povos indígenas ao longo da história. Esse tipo de abordagem na educação é fundamental para a formação de cidadãos conscientes e engajados com as questões sociais e culturais do país.
Valorizar as narrativas indígenas, seja por meio da oralidade ou da escrita, é reconhecer a importância de preservar e passar adiante os conhecimentos ancestrais. São histórias que fazem parte vital da nossa herança cultural e contém ensinamentos valiosos sobre a relação com a natureza, a espiritualidade e a comunidade. Como forma de contribuir para ampliar os conhecimentos sobre narrativas indígenas, fizemos uma lista com os 20 melhores livros para ler e falar sobre assunto:
Vozes Ancestrais: dez contos indígenas – Daniel Munduruku
Contos da Floresta – Yaguarê Yamã
O presente de Jaxy Jaterê – Olívio Jekupé
Saberes da Floresta – Márcia Wayna Kambeba
Contos Indígenas Brasileiros – Daniel Munduruku
Nós: uma antologia de literatura indígena – Vários Autores
Originárias: uma antologia feminina de literatura indígena – Várias Autoras
A origem do beija-flor – Yaguarê Yamã
Kariri-Xocó: contos indígenas (volumes 1, 2, 3 e 4) – Denízia Fulkaxó
O saci verdadeiro – Olívio Jekupé
As serpentes que roubaram a noite e outro mitos – Daniel Munduruku
Maraguápéyára – Vários Autores
A criação do mundo e outras belas histórias indígenas – Emerson Guarani e Benedito Prezia
Boitatá e outros casos de índios – Sairi Pataxó
Kujan e os meninos sabidos – Ailton Krenak e Rita Carelli
A história de Piragui – Olívio Jekupé e Maria Kerexu
Awyató-Pót: histórias indígenas para crianças – Tiago Hakiy
Para saber mais sobre cada um dos livros é só clicar no título. Fica aqui o convite para refletir e praticar a valorização e o respeito as entidades, aos encantados e as narrativas que fazem parte das vivênvias indígenas, enquanto percepções de mundo válidas e legítimas. Aproveite o espaço dos comentários para nos contar o que achou disso tudo e até próxima, aguyjevete!
Tássita de Assis Moreira é historiadora e professora, mestra em Educação na Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). Desenvolve estudos sobre educação decolonial, ensino da temática indígena e atua como produtora de conteúdo digital no @profatassi.
Comments (1)
Informações bem apresentadas, parabéns.