por Tássita de Assis Moreira

Observamos ao longo do tempo que a história do Brasil, conhecida por meio da escrita dos navegantes e viajantes europeus – e reproduzida na literatura, nos filmes e livros didáticos – foi construída a partir da narrativa dominante dos europeus. Essas narrativas tiveram como principal objetivo exaltar a superioridade desses grupos em detrimento de outros sujeitos históricos considerados inferiores pela perspectiva eurocêntrica. Esses sujeitos históricos são indígenas, negros, amarelos, ciganos, e muito mais, que ainda lutam (literalmente) para fazer história nesse país. Apresentamos aqui alguns historiadores indígenas engajados na luta pela garantia de direitos, ocupação de espaços (territoriais e simbólicos) e em (re)escrever a história do Brasil a partir de uma perspectiva baseada na equidade e no respeito às existências e, principalmente, que considere o protagonismo das pessoas e povos indígenas.

Márcia Mura é historiadora de Rondônia (RO) e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). A defesa de sua tese “Tecendo tradições indígenas” foi considerada um momento histórico na universidade e contou com a presença do Prof Dr Casé Angatu na banca avaliadora. As 820 páginas de sua tese trazem uma denúncia contundente contra o genocídio e etnocídio de povos indígenas e suas narrativas no momento em que as usinas hidrelétricas representaram mais um ataque às populações indígenas da região do Rio Madeira, que tiveram suas casas, suas terras, seu plantio, seu sustento, alagados e destruídos pelo “progresso”. Márcia também faz parte do movimento de retomada territorial, identitária e cultural do povo Mura do Itataparanã e Capanã Grande, tendo criado o Movimento Levante Indígena na USP. Professora, artista e militante indígena, é autora do livro “O espaço lembrado – Experiências de Vidas em Seringais da Amazônia” (2013).

Casé Angatu Xukuru Tupinambá é historiador e professor na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC-BA), Doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) com a tese “Guarulhos: espaços identitários sob a mundialização” e ministra cursos sobre as possibilidades de ensino na lei 11.645/08 por todo o Brasil. Militante indígena, também é autor do livro “Nem tudo era italiano: São Paulo e a pobreza na virada do século XIX/XX (1890-1915)”, que está na sua 4ª edição (2018) e “Identidades urbanas e globalização: a formação dos múltiplos territórios em Guarulhos/SP” (2006). Além disso, possui outras produções como o capítulo “Tupinambá Protagonismos Indígenas: (Re)Existências Indígenas E Indianidades”, no livro Índios no Brasil: vida, cultura e morte (2019); Indígenas Identidades Paulistas, em Cadernos da Casa Museu Ema Klabin, vol. 2 (2020); “Ser Essa Terra: São Paulo Cidade Indígena”, em Espaço Ameríndio: Dossiê Agenciamentos Indígenas da Forma Museu (2020).

Aline Rochedo Pachamama (Churiah Puri), é historiadora, escritora e ilustradora. Doutora em História Cultural pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com a tese “’Afrodite se quiser’ O protagonismo das mulheres no Rock Brasileiro nos anos 1980” e idealizadora da Pachamama Editora, projeto direcionado para exaltar as vozes dos povos originários, principalmente de mulheres indígenas. Faz parte da organização do movimento de retomada identitária do povo Puri da Serra da Mantiqueira, anteriormente considerado extinto em registros antropológicos e territoriais. Em seus textos e poesias, Aline escreve sobre sua história e a de seu povo Puri da Mantiqueira, falando sobre resistências, sobrevivências, memórias, afetos e gratidão. É autora dos livros “Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve” (2015); “Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia” (2018); “Taynôh: o menino que tinha cem anos” (2019) e “Boacé Uchô” (2020).

Edson Kayapó é historiador e professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e do Programa de Pós-graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Edson também é Doutor em História da Educação pela PUC-SP, com a tese “Do sentido aos significados do presídio de Clevelândia do Norte: repressão, resistência e disputa política no debate da imprensa“, sob orientação da Profª Drª Circe Bittencourt. Coleciona prêmios por produção e atuação, tais como 7º e 12º Concurso FNLIJ Tamoios de Literatura (2010 e 2015), Medalhão Indígena (2015) e Prêmio Unesco Dia do Professor (2013). Além da autoria dos livros “Projetos e presepadas de um curumim na Amazônia” (2016), que lhe rendeu o prêmio no 7º Concurso FNLIJ/INBRAPI Tamoios de Literatura e um capítulo no livro “Nós: uma antologia de literatura indígena” (2019).

No Brasil, há muitos historiadores e pesquisadores comprometidos em trazer perspectivas e olhares que foram silenciados por séculos. O aparato legal na Constituição Federal e a Lei 11.645/08 ainda não garantem que o ensino da temática indígena seja desenvolvido de acordo com a realidade e respeito aos indígenas, principalmente no que diz respeito a disciplina de História. O que podemos encontrar nas produções destes historiadoras e destas historiadores muito mais do que uma direção, é um ensinamento sobre existir, resistir e reexistir, respeitando todo o meio em que estamos inseridos. Reescrever a história do Brasil ultrapassa os limites estabelecidos pela “reparação histórica” e nos transfere para um lugar além do que jamais foi visto e pensado pela civilização ocidental.

 

 

Tássita de Assis Moreira é Historiadora e professora, cursando mestrado em Educação na Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). Desenvolve estudos sobre pedagogia decolonial e ensino da temática indígena.